terça-feira, 26 de maio de 2009

Agroecologia

Agroecologia: uma alternativa para se viver bem no campo
Kátia Maria Trindade

O grupo de pesquisa “Sustentabilidade – as questões ambientais, econômicas e sociais no campo”, da Escola Superior Dom Helder Câmara, fez, em 2 de maio de 2008, uma visita ao assentamento Pastorinhas, em Brumadinho/MG. Sob a coordenação da professora de Direito Agrário, Delze dos Santos Laureano, e os cuidados de Valéria, uma das líderes do Assentamento, o que tivemos foi uma verdadeira aula no campo. Pudemos conhecer a realidade de famílias pré-assentadas em um programa de Reforma Agrária que se beneficiam de sua organização, trabalhando, se alimentando e vivendo com a dignidade que não vemos nas periferias das grandes cidades.
Imbuídas de forte consciência ecológica e cientes das implicações desta postura para a agricultura e a questão da terra, as Pastorinhas – como carinhosamente são chamadas as mulheres do assentamento -, ao lado dos companheiros de luta, têm adotado, no ideário e na prática, posições muito firmes em relação à agroecologia, promovendo e preservando práticas agrícolas tradicionais e sustentáveis. Segundo Valéria: “Para se produzir deve haver um equilíbrio entre todos os seres vivos e o meio”, ou seja, deve haver um equilíbrio entre nutrientes, solo, planta, água e animais. O resultado é a produção de alimentos livres de agrotóxicos e um modo de cultivo com pequeno impacto ambiental e economicamente viável, o que representa um ganho muito grande para toda a natureza e para os trabalhadores.

Vimos uma lavoura onde hortaliças se misturam às ervas nativas. O que a agricultura tradicional considera “erva daninha” ou “mato” serve como fonte de alimentação alternativa aos insetos. Valéria, de uma forma muito pedagógica, ensina como fazem o controle natural de pragas: “Os insetos voltam-se para as ervas que são mais atraentes, as que possuem flores de cores fortes, deixando de lado as hortaliças”. Elimina-se, assim, a necessidade de aplicar venenos. Além disso, as ervas nativas ajudam a nitrogenar o solo. Toda a adubação é orgânica.
Os trabalhadores e trabalhadoras do Assentamento Pastorinhas dedicam-se ao cultivo de hortaliças desde o primeiro dia da ocupação em 14 hectares do assentamento, área antes ocupada pela monocultura do capim brachiara. Apesar de produzirem uma quantidade razoável de legumes e folhosas, enfrentam dificuldades para obter uma renda justa com a sua produção. A saída tem sido a venda direta aos consumidores, o que retira os atravessadores do caminho.






Outro problema relacionado à agricultura familiar agroecológica, segundo Valéria, é a falta de recursos e financiamentos. A lentidão na liberação dos recursos públicos faz com que a maioria dos trabalhadores desista da empreitada. A produção de sementes é realizada no próprio assentamento, mas os assentados encontram algumas dificuldades em realizar esta atividade. Como a maioria dos horticultores ainda prefere comprar sementes híbridas, ao invés de melhorar as suas próprias, não é fácil encontrar sementes “crioulas” para permuta. Diversas são as dificuldades nesta tarefa. As sementes de alface, por exemplo, exigem um cuidado maior, por ser uma planta muito sensível ao seu ambiente. O milho tem de ser plantado isolado senão cruza com espécies já modificadas. As sementes de tomate são todas modificadas o que praticamente impossibilita o cultivo sem veneno, por isso o assentamento Pastorinhas opta por cultivar apenas o tomate cereja.
Valéria nos fala de toda a história das Pastorinhas, da ajuda que receberam da Cáritas, entidade da Igreja Católica que atua apoiando os trabalhadores do campo. Foi a Cáritas que promoveu a aproximação do grupo com o MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - e ajuda nas negociações com o INCRA. Valéria conta: “lutamos muito para conseguir um pedaço de terra. Ficamos muito tempo acampados debaixo de um viaduto da mineradora Vale. Queríamos ocupar a fazenda que estava improdutiva, mas devido à Medida Provisória do FHC e mantida por Lula, não ocupamos”. (Trata-se da Medida Provisória 2183-56/01, que proíbe a vistoria de imóveis rurais ocupados por sem terra.) Em 21 de dezembro de 2003, cansados de esperar pela prévia vistoria do INCRA, as famílias sem-terra ocuparam a fazenda da qual, somente em 2006, receberam a posse.
Hoje, o grupo conta com vinte famílias de pequenos agricultores rurais; outras cem desistiram ao longo da luta. As tarefas são divididas entre os assentados e o trabalho coletivo é realizado sob a liderança das mulheres. Por isso, o nome do assentamento “Pastorinhas”, uma homenagem a essas mulheres que tanto conquistaram durante os anos de dedicação ao movimento de luta pela terra.
As famílias ainda enfrentam grandes dificuldades, como a falta de energia elétrica, o desconforto dos barracos – as famílias continuam morando em barracos de lona-preta devido à morosidade para se conseguir o crédito para habitação – o perigo de ataque de animais, entre outros. Entretanto, percebemos que, no Pastorinhas, os trabalhadores/as estão construindo, através da agroecologia, uma alternativa para se viver bem no campo, resgatando a cultura dos antepassados, produzindo alimentos de qualidade para todos, do campo e da cidade, e uma relação harmoniosa entre os seres da natureza.






Viagem ao Assentamento Pastorinhas

Jornal: O TEMPO - 24/08/2007 –
Caderno: FIM DE SEMANA - MAGAZINE –
LEO NORONHA / CRÍTICO DE GASTRONOMIA

O convite foi prontamente atendido. Não é todo dia, afinal de contas, que se tem a oportunidade de sentar à mesa em um assentamento do MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Suponho que a maioria dos leitores sequer cogite dessa possibilidade, por julgá-la indigesta ou, na melhor das hipóteses, gastronomicamente irrelevante. A verdade é que o preconceito ronda boa parte da classe média e da elite econômica, quando o assunto é MST. Sempre evidente e maldito na mídia ao promover ocupações, o MST é relegado, em grande parte, à invisibilidade, no que se refere aos seus resultados. Pouco se vê, lê ou escuta sobre as famílias que se beneficiam de sua organização, trabalhando, vivendo e comendo com dignidade ausente da periferia das metrópoles.
O MST, uma das mais estruturadas e socialmente eficazes organizações populares da história brasileira, é, exatamente por isso, das mais incômodas aos olhos complacentes do “projeto de dominação bem-sucedido” que é o Brasil, nas palavras do historiador Manolo Florentino.
O ponto de partida da pequena viagem é a Escola Balão Vermelho, cuja localização, o bairro Mangabeiras, em Belo Horizonte, faz supor o poder aquisitivo de boa parte da clientela de pais e alunos. Pois foram eles, ou parte minoritária deles, verdade seja dita, com o endosso de professores e diretores daquele estabelecimento de ensino, que buscaram o convívio e o compartilhamento de experiências e conhecimento com a pequena comunidade de Trabalhadores Rurais Sem Terra do Assentamento Pastorinhas, em Brumadinho, na região metropolitana. Vale, aqui, puxar a orelha do presidente da República: elite intelectual é conceito que vai muito além de elite econômica, pois neste país tem gente que vive sem conforto, mas ajuda a sacudir as estruturas sociais apodrecidas.
O comboio ruma para as bandas de Brumadinho. Meia dúzia de automóveis cheios de crianças e adolescentes, dançando sua música com o tal MP3 nos ouvidos. Quem quer que veja o bando, terá a impressão que o destino é o Museu de Arte Contemporânea de Inhotim, referência nacional ignorada por muitos belo-horizontinos, entre os quais me incluo.
Alguns pais acordam no horário da classe média, talvez mais cedo do que de costume, já que é feriado, oportunidade rara para curtir um pouquinho a cama, espichando a espreguiçada. Para o povo da roça, no entanto, a natureza tem sua cartilha, que pede almoço, em vez de desjejum, às dez e meia da manhã. Hora apropriada para tomar café é cinco da matina. Dá tempo de contemplar o arrebol detrás da fumaça do café. Quem madruga tem o sol como aliado e a noite como berço.
Imagino que os anfitriões tenham silenciado algum desconforto com a demora dos urbanos visitantes. Mulheres e crianças estavam a postos para dar as boas-vindas, abraçar, conversar e ganhar livrinho didáticos que a meninada de cá levou para a de lá. Bonito vê-los todos, sentadinhos, ávidos do mundo de fora. As páginas acarinhavam os dedos, na troca da textura da cenoura arrancada da horta pelo macio papel lisinho e brilhoso. O menino loiro, falante e decidido, mordia o lanche laranja caroteno, entre uma e outra historinha.
A caminhada pelas plantações de hortaliças, o roçado de milho de origem peruana, de feijão, arroz de sequeiro ensinou que índice de produtividade pode ser medido em sorriso, saúde, alegria e coesão social. Essas coisas que o agronegócio e os especialistas em commodities ignoram.
Na chegada ao refeitório de lona, fui eu que silenciei minhas lágrimas. Preferi vertê-las para dentro, de modo a regarem de esperança o canteiro da alma. O banquete a seguir tinha todas as cores, gostos e nutrientes de que se precisa para viver feliz. O molho de limão capeta e pepino picadinho com cheiro verde jamais será esquecido. O jeito de picar o repolho e a abobrinha também não. O feijão de sustança, amassado com estrelinha, mais o arroz soltinho, branco, um nada de gordura reviveram minha infância nas fazendas da parentada.
No Assentamento Pastorinhas, 22 famílias trabalham de forma coletiva. Produzem 22 tipos de hortaliças e frutas, tudo com adubação orgânica e agroecológica.
O Brasil precisa respeitar suas raízes.

Assentamento Pastorinhas

Assentamento Pastorinhas: uma estrela guia,
mas golpeado pela tempestade de granizo e vento

1) Uma estrela guia
O Projeto de Assentamento Pastorinhas está localizada no Município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. A terra foi comprada pelo Governo Federal para fins de reforma agrária pelo INCRA ao ser caracterizado como média propriedade improdutiva que não cumpria as suas funções sociais. A criação do Projeto de Assentamento (PA) Pastorinhas foi assinada pelo INCRA em 2006. Tem 156 hectares de área, possui 142 hectares de Mata Atlântica, 14 hectares que estavam sendo usadas como monocultura do capim, hoje, são 14 hectares de hortifrutigranjeiros. A maioria das famílias que vive lá é formada por trabalhadores e trabalhadoras rurais que atuavam como diaristas ou meeiros nas propriedades hortícolas na localidade próxima. A atuação das mulheres no acampamento no trabalho diário e coletivo foi essencial para a manutenção do grupo. Elas têm sido as principais responsáveis pelo bem estar do grupo, cuidando diariamente da alimentação, da água limpa à mão, realizando o trabalho da enxada na ausência dos maridos ou na companhia dos mesmos, cuidando das crianças e dos serviços domésticos. Mantiveram firme o espírito de grupo e a fé no objetivo mesmo nos momentos mais críticos da luta. Foram as mulheres do grupo que iniciaram a experiência de trabalho coletivo, percebendo desde logo, suas vantagens. Perceberam a eficiência da divisão coletiva de tarefas domésticas e tiveram a capacidade de passar para o processo produtivo esta forma de lidar com as demandas dentro do acampamento. Assim, acontece a Agricultura Periurbana.
Principais dificuldades: a) Acesso a créditos para produção, comercialização; b) Infra-estrutura já que o assentamento ainda não tem moradias construídas, nem luz elétrica e nem saneamento. (A maioria das famílias ainda está em barracos de lona preta.)
As famílias se organizam através de grupos de produção, onde existe um representante eleito democraticamente pelo grupo e que faz parte de uma coordenação geral da área.
A atuação da Cáritas está mais focada no acompanhamento técnico, produtivo e social das famílias sendo o diferencial a metodologia participativa e a relação do trabalho deles com temas importantes para a organização comunitária como economia popular solidária, agro ecologia e segurança alimentar.
Há cinco anos atrás, 120 famílias de trabalhadores rurais sem-terra acamparam na beira de uma Fazenda de 156 hectares, área do condomínio da Família Menezes, no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. Queriam ocupar a Fazenda que estava improdutiva, mas devido à Medida Provisória 2183/01, de FHC e mantida por Lula até hoje, não ocuparam a fazenda, porque tal MP proíbe vistoriar propriedades ocupadas por sem-terra. Eis um dos entraves autoritários e inconstitucionais que permanecem vigentes no Governo Lula.
Foram três anos debaixo da lona preta, “comendo poeira”, sofrendo pressões de poderosos da região. Foram despejados duas vezes. Ficaram no meio das voçorocas do Tejuco, provocadas pela mineradora MBR e no meio de pó do britador da Mineradora Vale do Rio Doce.
Cansados de esperar que o INCRA vistoriasse a Fazenda e a desapropriasse ou a comprasse, há dois anos atrás, já ligados ao MST, ocuparam a Fazenda que recebeu um nome: Assentamento Pastorinhas, em homenagem às mulheres que são, de fato, pastorinhas, “o bicho mais forte e resistente que existe”, diz uma assentada.
Hoje o Assentamento Pastorinhas é formado por uma comunidade de 20 famílias, oriundas de 12 municípios e de quatro estados diferentes da federação, o que configura uma grande diversidade cultural. As outras 100 famílias não agüentaram o tranco e acabaram desistindo. Foram seduzidas pelas ilusões e tentações da cidade grande. Hoje estão sobrevivendo nas favelas no meio da guerra civil (não declarada). Várias famílias se arrependeram de ter desistido da luta. Não seguiram o exemplo de Leila Maria Rodrigues, do Acampamento do MST Estrela dos Mártires, em Carmo da Mata/MG, que sempre diz, irradiando felicidade: “Enquanto existir uma lona preta e quatro bambus, estarei longe da burguesia e da violência urbana.”
Quando o então juiz da Vara Agrária, Renato Dresch, chegou para visitar a terra ocupada, as famílias já tinham plantado hortaliças nos 14 hectares que estavam, antes, com capim brachiara. Tudo em mutirão e trabalho coletivo. O juiz ficou sensibilizado e não autorizou a expulsão das famílias. O INCRA, pressionado pelo Movimento dos Sem Terra, comprou a fazenda e fez concessão de uso para as 20 famílias que, após cinco anos, se quiserem adquirir a propriedade da terra, terão de pagar o valor da mesma.
Ainda continuam sobrevivendo em barracos de lona preta, porque os únicos créditos que puderam acessar até agora foram o PSA – Programa de Segurança Alimentar - de R$ 180,00 e o PEA – Programa Exploração Anual - de R$2.400,00 por família. O crédito habitação – 7 mil reais – está parado no Banco do Brasil, há três anos, por falta de licença ambiental do Instituto Estadual de Floresta – IEF – pela demora interminável do INCRA em aprovar o PDA – Projeto de Desenvolvimento de Assentamento. Revoltante é que para desflorestar para minerar, sob ordens da Vale, não há o entrave ambiental e nem burocrático!) Esses entraves acabam tornando mais dura a labuta dos/as trabalhadores/as e dos seus filhos/as. “Trabalhamos de 7 da manhã às 18 horas e ainda não podemos chegar em casa e tomar um banho quente por falta de uma casa e de energia”, desabafa Valéria Antônia Silva, uma das lideranças do Assentamento, que fez o curso de Técnica Agrícola na Escola Helena Antipoff. Dona Helena, mulher judia que, após se refugiar no Brasil para fugir da fúria nazista, fez um extraordinário trabalho de resgate da dignidade humana na região de Brumadinho perpetua-se no trabalho das Valérias pastorinhas.
Quando lá chegaram, 142 hectares eram de mata fechada que continua intacta; os outros 14 hectares já estavam desmatados e usados só pela monocultura do capim. A única árvore frutífera que encontraram lá foi um pé de abacate. Acabou virando um monumento preservado pelos Sem Terra. A fazenda estava abandonada. Não cumpria sua função social. Hoje, já plantaram, entre outras frutas: amora, jabuticaba, acerola, maracujá, goiaba, pêssego, laranja, banana, manga, mexerica, tudo nas laterais das vias de trânsito, nos 14 hectares totalmente ocupados com mais de 30 tipos de verduras e legumes. Optaram por plantar à beira dos caminhos para não ter de desmatar mais. A mata fechada preservada abriga 16 colméias que produzem mel nas floradas do assa-peixe, do cipó São João e da copaíba, que resulta em um mel medicinal.
Se o INCRA não tivesse comprado a terra e repassado para os Sem Terra, provavelmente, a fúria infinita das mineradoras já estaria detonando o santuário ecológico que são os 142 hectares do Assentamento Pastorinhas. “Se não mudarmos o modelo econômico, daqui a 15 anos a fome e a miséria vão assolar a região de Brumadinho, pois aqui só tem mineração para mais 15 anos. Enquanto tem mineração, há poucos empregos, assistência social para os excluídos e uma grande campanha publicitária das mineradoras que tentam convencer o povo que mineração é coisa boa, mas sabemos que minério só dá uma safra e que agricultura familiar, com adubação orgânica e agroecológica, em trabalho coletivo, conforme fazemos, é o que pode nos dar infinitas safras, pois lidamos com a terra considerando-a mãe, viva e sagrada”, alerta uma assentada.
“Nossos filhos estavam anêmicos, mas foi só começarem a comer os alimentos produzidos com adubação orgânica e agroecológica, graças a Deus, estão todos bem nutridos, o que é atestado pela Pastoral da Criança”, informa-nos, feliz da vida, uma outra assentada. Acrescenta, “a principal parceira que temos, hoje, é a Escola Balão Vermelho . Tudo começou com o professor Edinaldimar Barbosa da Silva, professor de Geografia da Escola que já tinha experiência de trabalho com os indígenas Xacriabás. Estudantes e professores do Balão Vermelho vieram nos visitar. Viram um atravessador saindo com uma camionete lotada de verduras. Dissemos a eles que nosso sonho era organizar uma rede solidária, onde nós, pequenos produtores, pudéssemos vender diretamente para os consumidores sem ter que passar por atravessadores. Começamos a vender todas as segundas-feiras, das 10hs às 13:30hs na porta da Escola Balão Vermelho. Começamos atendendo 40 famílias e hoje já atendemos umas 120. Além de duas feiras livres, vendemos também para prefeitura de Contagem que distribui para creches e asilos. Estamos ampliando nossas parcerias.”
Há três anos que as famílias do Pastorinhas não recebem mais nenhuma cesta básica. Pelo contrário, doam verduras para creches, asilos e para as duas escolas onde as 30 crianças do assentamento estudam. Após irem a pé, na poeira sob o sol ou no barro sob chuva, com muita luta, conseguiram que a prefeitura enviasse um microônibus para levar as crianças para a escola que fica lá na cidade.
As 30 crianças do Assentamento estão fazendo a diferença nas duas escolas onde estudam. Ana Clara, 7 anos, sempre quando é questionada sobre o futuro, aprendeu com a vida a responder: “Quando eu crescer, quero ser Sem Terra como mamãe e papai. Aliás, já sou Sem Terrinha.” Maria Alice, que cursa quinta-série, disse que a professora lhe perguntou quem tinha descoberto o Brasil. Ela respondeu: “Foram os índios. Pedro Álvares Cabral explorou e escravizou.” Ela é uma líder da turma. Já conseguiu até organizar a turma para exigir a troca de uma professora que estava deixando muito a desejar.
Além de produzirem milho, feijão, arroz, mandioca, ovos e frango caipira, estão plantando mais de 30 variedades de hortaliças e legumes: inhame, chuchu, jiló, pepino, abobrinha, acelga, agrião, alecrim, alface de diversos tipos, alho poró, almeirão, beterraba, brócolis, cebolinha, cenoura, serralha, chicória, coentro, couve, couve-flor, espinafre, manjericão, mostarda, pimentão verde, quiabo, rabanete, repolho, rúcula, salsa, taioba, tomate cereja. Que diversidade! Tudo com adubação 100% orgânica e agroecológica. Mais: com trabalho coletivo e em um profundo espírito socialista.
O Assentamento Pastorinhas é “um oásis no meio do deserto”, pois de um lado, um fazendeiro, proprietário de Faculdade ASA e eleito prefeito de Brumadinho para os anos 2009 a 2012, passou tratores em cima da mata fechada e plantou capim. Derrubou a cerca que fazia a divisa com o assentamento e alegou para o IEF que a mata do assentamento Pastorinhas era reserva da fazenda dele. Diz ter seguido orientação da polícia para se livrar de uma grande multa. Um ano já se passou e ainda não refez a cerca. Do outro lado estão as voçorocas e as crateras deixadas pela MBR na mina do Tejuco. Os tratores e as escavadeiras da Cia Vale do Rio Doce roncam dia e noite em várias minas arrancando das entranhas da mãe terra o minério que é exportado pelo mesmo preço da água no mercado internacional. As mineradoras, liderada pela Cia Vale do Rio Doce, dizem ter concessão de lavra sobre quase todas as terras da região.
O Assentamento Pastorinhas nos autoriza a responder “a todo pulmão” àqueles que ainda dizem que a reforma agrária não dá certo. Quem ainda duvida, basta olhar do alto do Assentamento Pastorinhas. De um lado os empreendimentos capitalistas, que “prometem” gerar muitos empregos, mas deixa atrás de si uma enorme destruição e fecha as portas do futuro. Do outro lado, pessoas que criaram e estão tornando efetivas as oportunidades de trabalho e renda para vinte famílias, tornando-as cada vez mais comprometidas com a comunidade e com o futuro não apenas de seus filhos, mas os de todos, inclusive os filhos de pais de alto poder aquisitivo, que agora estão comendo alimento saudável. Comprometidas também com a preservação dos bens naturais, especialmente solo e água, e apostando em atividades que não dão uma safra só. Benditas todas as mãos que hoje semeiam e colhem naquele solo sagrado. Bem aventurados os que podem ver com os olhos e vêem uma forma de vida tão antiga e tão promissora nesses dias em que o anúncio de morte tem dominado a maioria dos espaços da metrópole.
Após horas de caminhada por entre as hortaliças e legumes, no almoço comunitário, feito com muito amor por “pastorinhas”, quase todos os finais de semana, estudantes universitários e pessoas de bem saboreiam a gostosura que os olhos já contemplaram. Inesquecível! Muito melhor que ler este texto é ir lá ver com os próprios olhos. Quem vê fica tão feliz que se torna parceiro. “Vinde e vede!”, gostava de dizer o camponês, filho do carpinteiro lá de Nazaré, na Galiléia.

2) Golpeado pela tempestade de granizo e vento

Após notícias de várias tempestades de granizo, que aconteceram em Belo Horizonte, em Contagem, em muitas regiões de Minas e do Brasil, em 2008, as pastorinhas que disseram várias vezes: “Parece que Deus está nos protegendo, pois choveu várias vezes granizo por perto de nós, mas aqui no Assentamento não caiu nem uma pedra, só chuva mansa.”
Mas dia 19 de novembro de 2008 (quarta-feira), por volta das 17:30hs, inesperadamente, uma grande tempestade com chuva de granizo e muito vento abateu-se sobre o Assentamento Pastorinhas. Os 14 hectares de verduras e legumes foram arrasados. As fossas envoltas por plástico preto foram arrancadas. Muitos barracos de lona preta foram invadidos por enxurrada e muita lama. O plástico preto que cobria muitos barracos ficou todo rasgado, furado.
A ventania arrancou dezenas de árvores da Mata do Assentamento. Muitas outras árvores foram quebradas ao meio.
As bananeiras foram quebradas ao meio. As que já estavam com cacho foram derrubadas.
A lama invadiu os barracos e estragou muitos pertences e os poucos móveis que tinham.
Após a tempestade, crianças se divertiam carregando nas mãos pedaços de granizo de um palmo de tamanho. “Nunca vi tanta pedra cair do céu assim! Se caísse em cima de uma pessoa ou de um animal, matava na hora”, observou uma assentada.
Os três viveiros de mudas, berçários, foram totalmente destruídos pelo vendaval misturado com granizo. Foram jogados longe. Terão que fazer novos viveiros, plantar novas sementes e esperar crescer novamente.
As verduras foram desfolhadas e/ou arrancadas ou quebradas no talo.
Em vários locais acumulou mais de 20 centímetros de gelo no chão.
Os tomateiros foram todos quebrados.
Dezenas de frangos morreram abatidos pelo granizo.

Enfim, o prejuízo é muito grande. Numa hora dessa se sente mais a ausência de apoio à Reforma Agrária, pois se o INCRA, O IEF e o Luz para Todos já tivessem autorizado a construção das casas em uma agrovila, se a CEMIG e Programa Luz para Todos já tivessem levado energia ao Assentamento, muitas outras ajudas de tantas entidades já teriam acontecido também. E as 20 famílias do Assentamento Pastorinhas estariam mais fortes para arcar com os grandes prejuízos que sofreram com esta grande tempestade de granizo, que sabemos, não é causa natural, mas fruto do capitalismo e dos capitalistas que estão estuprando as relações da natureza e aí, volta e meia, esses desequilíbrios irrompem.
Clamamos por apoio aos os Sem Terra dos acampamentos e dos Assentamentos.

3) Relação das perdas na produção em virtude da tempestade de granizo e vendaval ocorrido em 19/11/2008, às 17:40hs:

“INSUMOS”:
05 sacos de farinha de osso: total: R$280,00.
Insumos: 170 sacos de esterco de galinha (40Kg), preço unitário: R$8,00; Total: R$1.360,00.
Esterco de gado: 230 sacos (40 Kg), preço unitário: R$5,00; Total: R$1.150,00
Horas de serviço de trator: 27 horas, preço unitário: R$18,00; Total: R$486,00.

TOTAL DOS “INSUMOS”: R$3.276,00. (Três mil, duzentos e setenta e seis reais)

Estimativa da produção perdida:
Abóbora italiana: 720 caixas (22 Kg), valor unitário de mercado: R$17,00; Total: R$12.240,00.
Quiabo: 40 caixas, valor unitário: R$50,00; total: R$2.000,00.
Alface: 720 dúzias, preço unitário: R$3,00; Total: 2.160,00.
Brócolis: 350 dúzias, valor unitário: R$ 12,00; Total: 4.200,00.
Cebolinha: 1.500 molho, valor unitário: R$0,25; Total: 375,00.
Couve: 5.320 dúzias; valor unitário: R$2,00; Total: R$10.640,00
Brócolis Ninja: 1.200 pés, valor unitário: R$1,00; total: R$1.200,00.
Rúcula: 65 dúzias, valor unitário: R$8,00; Total: R$520,00.
Pimentão: 150 caixas, valor unitário: R$25,00; total: 3.750,00.
Beterraba: 300 caixas, valor unitário: R$15,00; total: R$4.500,00.
Tomatinho cereja 4.000 bandejas, valor unitário: R$1,50; total: 6.000,00.
Frangos: 30, valor unitário: R$12,00; total: R$360,00.

TOTAL DE PERDAS NA PRODUÇÃO: R$47.945,00 (Quarenta e sete mil, novecentos e quarenta e cinco reais)

Estufa: 15 metros de plástico transparente (15 X 6), 45 metros de sombrite (45 X 3), 04 telhas eternite (2,55 X 1,10).(Falta o preço da estufa.)

TOTAL GERAL DAS PERDAS: R$51.221,00. (Cinqüenta e um mil, duzentos e vinte e um reais)

P/ Assentamento Pastorinhas,
Frei Gilvander Luís Moreira – RG 790151 SSP/DF
e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
Cf. também www.gilvander.org.br
Belo Horizonte, 02/12/2008.

Assentamento Pastorinhas: uma estrela guia

(Uma síntese do texto abaixo foi publicado na Revista MUNDO JOVEM, ano 46, n. 388, julho 2008, p. 8.)
Frei Gilvander Moreira

"As colunas da injustiça sei que só vão desabar quando o meu povo, sabendo que existe, souber achar dentro da vida o caminho que leva à libertação!" Thiago de Mello

Dia 22 de setembro de 2007, em um grupo de dez pessoas, visitamos o Assentamento Pastorinhas, um dos inúmeros locais onde a reforma agrária mostra sua beleza. Saímos de lá em estado de graça, convictos de que o reino de Deus está ali e que uma estrela guia brilha sobre e a partir daquelas pessoas. Por isso, queremos partilhar um pouco da beleza que vimos e experimentamos lá.
O Projeto de Assentamento Pastorinhas está localizada no Município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. A terra foi comprada pelo Governo Federal para fins de reforma agrária pelo INCRA ao ser caracterizado como média propriedade improdutiva que não cumpria as suas funções sociais. A criação do Projeto de Assentamento (PA) Pastorinhas foi assinada pelo INCRA em 2006. Tem 154 hectares de área, possui 50 hectares de Mata Atlântica, 14 hectares que estavam sendo usadas como monocultura do capim, hoje, são 14 hectares de hortifrutigranjeiros. A maioria das famílias que vive lá é formada por trabalhadores e trabalhadoras rurais que atuavam como diaristas ou meeiros nas propriedades hortícolas na localidade próxima. A atuação das mulheres no acampamento no trabalho diário e coletivo foi essencial para a manutenção do grupo. Elas têm sido as principais responsáveis pelo bem estar do grupo, cuidando diariamente da alimentação, da água limpa à mão, realizando o trabalho da enxada na ausência dos maridos ou na companhia dos mesmos, cuidando das crianças e dos serviços domésticos. Mantiveram firme o espírito de grupo e a fé no objetivo mesmo nos momentos mais críticos da luta. Foram as mulheres do grupo que iniciaram a experiência de trabalho coletivo, percebendo desde logo, suas vantagens. Perceberam a eficiência da divisão coletiva de tarefas domésticas e tiveram a capacidade de passar para o processo produtivo esta forma de lidar com as demandas dentro do acampamento. Assim, acontece a Agricultura Periurbana.
Principais dificuldades: a) Acesso a créditos para produção, comercialização; b) Infra-estrutura já que o assentamento ainda não tem luz elétrica, água, saneamento, moradia. (a maioria das famílias ainda está em barracos de lona)
As famílias se organizam através de grupos de produção, onde existe um representante eleito democraticamente pelo grupo e que faz parte de uma coordenação geral da área.
A atuação da Cáritas está mais focada no acompanhamento técnico, produtivo e social das famílias sendo o diferencial a metodologia participativa e a relação do trabalho deles com temas importantes para a organização comunitária como economia popular solidária, agro ecologia e segurança alimentar.
Há cinco anos atrás, 120 famílias de trabalhadores rurais sem-terra acamparam na beira de uma Fazenda de 156 hectares, área do condomínio da Família Menezes, no município de Brumadinho, região metropolitana de Belo Horizonte. Queriam ocupar a Fazenda que estava improdutiva, mas devido à Medida Provisória 2183/01, de FHC e mantida por Lula até hoje, não ocuparam a fazenda, porque tal MP proíbe vistoriar propriedades ocupadas por sem-terra. Eis um dos entraves autoritários e inconstitucionais que permanecem vigentes no Governo Lula.
Foram três anos debaixo da lona preta, “comendo poeira”, sofrendo pressões de poderosos da região. Foram despejados duas vezes. Ficaram no meio das voçorocas do Tejuco, provocadas pela mineradora MBR e no meio de pó do britador da Mineradora Vale do Rio Doce.
Cansados de esperar que o INCRA vistoriasse a Fazenda e a desapropriasse ou a comprasse, há dois anos atrás, já ligados ao MST, ocuparam a Fazenda que recebeu um nome: Assentamento Pastorinhas, em homenagem às mulheres que são, de fato, pastorinhas, “o bicho mais forte e resistente que existe”, diz uma assentada.
Hoje o Assentamento Pastorinhas é formado por uma comunidade de 20 famílias, oriundas de 12 municípios e de quatro estados diferentes da federação, o que configura uma grande diversidade cultural. As outras 100 famílias não agüentaram o tranco e acabaram desistindo. Foram seduzidas pelas ilusões e tentações da cidade grande. Hoje estão sobrevivendo nas favelas no meio da guerra civil (não declarada). Várias famílias se arrependeram de ter desistido da luta. Não seguiram o exemplo de Leila Maria Rodrigues, do Acampamento do MST Estrela dos Mártires, em Carmo da Mata/MG, que sempre diz, irradiando felicidade: “Enquanto existir uma lona preta e quatro bambus, estarei longe da burguesia e da violência urbana.”
Quando o então juiz da Vara Agrária, Renato Dresch, chegou para visitar a terra ocupada, as famílias já tinham plantado hortaliças nos 14 hectares que estavam, antes, com capim brachiara. Tudo em mutirão e trabalho coletivo. O juiz ficou sensibilizado e não autorizou a expulsão das famílias. O INCRA, pressionado pelo Movimento dos Sem Terra, comprou a fazenda e fez concessão de uso para as 20 famílias que, após cinco anos, se quiserem adquirir a propriedade da terra, terão de pagar o valor da mesma.
Ainda continuam sobrevivendo em barracos de lona preta, porque os únicos créditos que puderam acessar até agora foram o PSA – Programa de Segurança Alimentar - de R$ 180,00 e o PEA – Programa Exploração Anual - de R$2.400,00 por família. O crédito habitação – 5 mil reais – está parado no Banco do Brasil, há um ano, por falta de licença ambiental do Instituto Estadual de Floresta - IEF. Alega a autarquia que não sabe qual é o bioma da região, se Mata Atlântica ou mata de cerrado. (Revoltante é que para desflorestar para minerar não há o entrave do bioma para a Vale do Rio Doce!) Esse entrave acaba tornando mais dura a labuta dos/as trabalhadores/as e dos seus filhos/as. “Trabalhamos de 7 da manhã às 18 horas e ainda não podemos chegar em casa e tomar um banho quente por falta de uma casa e de energia”, desabafa Valéria Antônia Silva, uma das lideranças do Assentamento, que fez o curso de Técnica Agrícola na Escola Helena Antipoff. Dona Helena, mulher judia que, após se refugiar no Brasil para fugir da fúria nazista, fez um extraordinário trabalho de resgate da dignidade humana na região de Brumadinho perpetua-se no trabalho das Valérias pastorinhas.
Quando lá chegaram, 142 hectares eram de mata fechada que continua intacta; os outros 14 hectares já estavam desmatados e usados só pela monocultura do capim. A única árvore frutífera que encontraram lá foi um pé de abacate. Acabou virando um monumento preservado pelos Sem Terra. A fazenda estava abandonada. Não cumpria sua função social. Hoje, já plantaram, entre outras frutas: amora, jabuticaba, acerola, maracujá, goiaba, pêssego, laranja, banana, manga, mexerica, tudo nas laterais das vias de trânsito, nos 14 hectares totalmente ocupados com verduras e legumes. Optaram por plantar à beira dos caminhos para não ter de desmatar mais. A mata fechada preservada abriga 16 colméias que produzem mel nas floradas do assa-peixe, do cipó São João e da copaíba, que resulta em um mel medicinal.
Se o INCRA não tivesse comprado a terra e repassado para os Sem Terra, provavelmente, a fúria infinita das mineradoras já estaria detonando o santuário ecológico que são os 142 hectares do Assentamento Pastorinhas. “Se não mudarmos o modelo econômico, daqui a 15 anos a fome e a miséria vão assolar a região de Brumadinho, pois aqui só tem mineração para mais 15 anos. Enquanto tem mineração, há poucos empregos, assistência social para os excluídos e uma grande campanha publicitária das mineradoras que tentam convencer o povo que mineração é coisa boa, mas sabemos que minério só dá uma safra e que agricultura familiar, com adubação orgânica e agroecológica, em trabalho coletivo, conforme fazemos, é o que pode nos dar infinitas safras, pois lidamos com a terra considerando-a mãe, viva e sagrada”, alerta uma assentada.
“Nossos filhos estavam anêmicos, mas foi só começarem a comer os alimentos produzidos com adubação orgânica e agroecológica, graças a Deus, estão todos bem nutridos, o que é atestado pela Pastoral da Criança”, informa-nos, feliz da vida, uma outra assentada. Acrescenta, “a principal parceira que temos, hoje, é a Escola Balão Vermelho . Tudo começou com o professor Edinaldimar Barbosa da Silva, professor de Geografia da Escola que já tinha experiência de trabalho com os indígenas Xacriabás. Estudantes e professores do Balão Vermelho vieram nos visitar. Viram um atravessador saindo com uma camionete lotada de verduras. Dissemos a eles que nosso sonho era organizar uma rede solidária, onde nós, pequenos produtores, pudéssemos vender diretamente para os consumidores sem ter que passar por atravessadores. Começamos a vender todas as segundas-feiras, das 10hs às 13:30hs na porta da Escola Balão Vermelho. Começamos atendendo 40 famílias e hoje já atendemos umas 120. Além de duas feiras livres, vendemos também para prefeitura de Contagem que distribui para creches e asilos. Estamos ampliando nossas parcerias.”
Há três anos que as famílias do Pastorinhas não recebem mais nenhuma cesta básica e nem estão no bolsa família do governo Lula. Pelo contrário, doam verduras para creches, asilos e para as duas escolas onde as 30 crianças do assentamento estudam. Após irem a pé, na poeira sob o sol ou no barro sob chuva, com muita luta, conseguiram que a prefeitura enviasse um microônibus para levar as crianças para a escola que fica lá na cidade.
As 30 crianças do Assentamento estão fazendo a diferença nas duas escolas onde estudam. Ana Clara, 7 anos, sempre quando é questionada sobre o futuro, aprendeu com a vida a responder: “Quando eu crescer, quero ser Sem Terra como mamãe e papai. Aliás, já sou Sem Terrinha.” Maria Alice, que cursa quinta-série, disse que a professora lhe perguntou quem tinha descoberto o Brasil. Ela respondeu: “Foram os índios. Pedro Álvares Cabral explorou e escravizou.” Ela é uma líder da turma. Já conseguiu até organizar a turma para exigir a troca de uma professora que estava deixando muito a desejar.
Além de produzirem milho, feijão, arroz, mandioca, ovos e frango caipira, estão plantando mais de 30 variedades de hortaliças e legumes: inhame, chuchu, jiló, pepino, abobrinha, acelga, agrião, alecrim, alface de diversos tipos, alho poró, almeirão, beterraba, brócolis, cebolinha, cenoura, serralha, chicória, coentro, couve, couve-flor, espinafre, manjericão, mostarda, pimentão verde, quiabo, rabanete, repolho, rúcula, salsa, taioba, tomate cereja. Que diversidade! Tudo com adubação 100% orgânica e agroecológica. Mais: com trabalho coletivo e em um profundo espírito socialista.
O Assentamento Pastorinhas é “um oásis no meio do deserto”, pois de um lado, um fazendeiro, proprietário de Faculdade da região, passou tratores em cima da mata fechada e plantou capim. Derrubou a cerca que fazia a divisa com o assentamento e alegou para o IEF que a mata do assentamento Pastorinhas era reserva da fazenda dele. Diz ter seguido orientação da polícia para se livrar de uma grande multa. Um ano já se passou e ainda não refez a cerca. Do outro lado estão as voçorocas e as crateras deixadas pela MBR na mina do Tejuco. Os tratores e as escavadeiras da Cia Vale do Rio Doce roncam dia e noite em várias minas arrancando das entranhas da mãe terra o minério que é exportado pelo mesmo preço da água no mercado internacional. As mineradoras, liderada pela Cia Vale do Rio Doce, dizem ter concessão de lavra sobre quase todas as terras da região.
Depois de ver tudo isso, saímos com o desejo de responder “a todo pulmão” àqueles que ainda dizem que a reforma agrária não dá certo. Quem ainda duvida, basta olhar do alto do Assentamento Pastorinhas. De um lado os empreendimentos capitalistas, que “prometem” gerar muitos empregos, mas deixa atrás de si uma enorme destruição e fecha as portas do futuro. Do outro lado, pessoas que criaram e estão tornando efetivas as oportunidades de trabalho e renda para vinte famílias, tornando-as cada vez mais comprometidas com a comunidade e com o futuro não apenas de seus filhos, mas os de todos, inclusive os filhos de pais de alto poder aquisitivo, que agora estão comendo alimento saudável. Comprometidas também com a preservação dos bens naturais, especialmente solo e água, e apostando em atividades que não dão uma safra só. Benditas todas as mãos que hoje semeiam e colhem naquele solo sagrado. Bem aventurados os que podem ver com os olhos e vêem uma forma de vida tão antiga e tão promissora nesses dias em que o anúncio de morte tem dominado a maioria dos espaços da metrópole.
Após horas de caminhada por entre as hortaliças e legumes, no almoço comunitário, feito com muito amor por “pastorinhas”, saboreamos a gostosura que nossos olhos já tinham contemplado. Inesquecível! Muito melhor que ler este texto é ir lá ver com os próprios olhos. Quem vê fica tão feliz que se torna parceiro. “Vinde e vede!”, gostava de dizer o camponês, filho do carpinteiro lá de Nazaré.

Frei Gilvander Luís Moreira, e-mail: gilvander@igrejadocarmo.com.br
Cf. também www.gilvander.org
Belo Horizonte, 23/09/2007, início da primavera.